Despertei ao teu toque, assustado e confuso. Ergui os olhos até parar no teu sorriso, mas ali não encontrei conforto. As coisas que você me disse no dia anterior, eu poderia interpretar de várias maneiras, escolhi, no entanto, a mais lógica. E aquilo me estilhaçou. De repente, a gentileza transformou-se em ferrão, e o encanto, escárnio.
Por um segundo, eu nem sabia onde estava. Muito distante de casa. Tentei me levantar, mas senti as pernas fracas e as costelas fraturadas. Então, não tive reação. Cedi ao cansaço, humilhado por aquelas palavras insípidas, ardilosas, brutais em seu significado, cáusticas em sua intenção, que me queimava a garganta e as entranhas. Já faz tempo que deixei de acordar sorrindo. Mas o frio de me sentir tão só no mundo, naquela hora, tornou-se insuportável.
Senti vergonha por acordar feliz com o teu afeto. Lembrei de uma noite chuvosa, da qual eu buscava abrigo. Vi santuários pelo caminho onde se aqueciam homens com o calor do fogo de um desejo que me é familiar, embora eu nunca o tenha, de fato, experimentado. Quando é que fui acolhido, afinal? Eu deveria saber que já nasci condenado, e nunca mais me sentir feliz de novo.
Nunca me imaginei tão só, mas eu deveria saber, afinal, sozinho, entreguei minh'alma, quando disse sim ao pacto dissimulado. Ingênuo, Eu quis experimentar a emoção do desespero, mas negligenciei que a agonia se tornaria minha própria existência a partir de então. Deixei-me levar pelas vozes sedutoras em minha cabeça, sussurrando canções de lamento que partiram meu coração. Lentamente, fui me tornando cada dia mais ridículo aos olhos de todos e mesmo diante de mim.
Corro os dedos pelo rosto enrugado do tempo. O escarlate tinge o canvas e vai se perdendo para além de suas bordas de ilusão. Ventos chamam meu nome, ouço sem ânimo. A terra reclama meus ossos. Minhas mãos estão machucadas, meu orgulho jamais encontrou o que procurava. Eu queria tanto que isso acabasse de outra forma, como outrora, quando recolhia cacos de suspiro deixados nas areias de um poema musicado pela inocência de adolescentes que amaram em segredo.
Como se houvesse opção, eu abraço cinicamente esse fardo outra vez. Tarde demais para demostrar qualquer arrependimento, ou propor barganha. Assino com sangue a sentença e deixo-me cair nas profundezas em que arde um nada sem fim. Resta-me a certeza de que fiz tudo por amor.